O medo iniciado no domingo, quando as primeiras informações começaram a surgir nas redes sociais, ganhou um novo capítulo nesta quinta-feira: a Polícia Civil e a vigilância sanitária informaram, em pronunciamento nesta noite no Instituto Médico-Legal (IML), que perícia em amostras de cerveja encontrou substância tóxica compatível com os quadros clínicos desenvolvidos por oito pessoas (uma delas morreu na terça-feira), todas ligadas ao Bairro Buritis, na Região Oeste de Belo Horizonte.
O composto orgânico dietilenoglicol, também conhecido como éter de glicol, usado no processo de refrigeração na indústria de cerveja, foi encontrado em dois lotes (L11348 e L21348) do rótulo Belohorizontina, da cervejaria Backer. Por meio de nota, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), informou que, diante do laudo “que comprova a presença de substância tóxica em cerveja consumida por pacientes internados em estado grave, em Belo Horizonte” convocou a força-tarefa envolvida na investigação “para definição dos encaminhamentos médicos, epidemiológicos e da Vigilância Sanitária”.
Substância encontrada em cerveja mineira já causou centenas de mortes pelo mundo
Antes de divulgar o laudo, peritos da corporação vistoriaram a sede da empresa de bebidas artesanais, também localizada no Oeste de BH, no Bairro Olhos D'Água. “Nas duas amostras de cerveja encaminhadas lacradas pela vigilância sanitária do município de Belo Horizonte foi identificada a presença da substância dietilenoglicol em exames preliminares”, diz o laudo. Fontes ouvidas pelo Estado de Minas garantem que lotes de Belohorizontina produzidos entre outubro e dezembro do ano passado podem estar contaminados.
Apesar de a substância tóxica ter sido encontrada em garrafas do produto, as autoridades ainda não cravam que a contaminação tenha ocorrido na cervejaria. “Não há, em hipótese alguma, afirmação de que a empresa seja responsável pela contaminação”, ressaltou o promotor do Procon Amauri da Matta. Isso porque as garrafas em que o éter de glicol foi rastreado foram recolhidas pelas autoridades fora da indústria. Contudo, uma das medidas já tomadas pelas autoridades, de acordo com fontes ouvidas pela reportagem, é recolher todas as Belohorizontinas ainda comercializadas nas três unidades de supermercado onde as cervejas contaminadas teriam sido compradas pelos pacientes. Os estabelecimentos estão localizados nos bairros Cidade Nova e Buritis, ambos na capital mineira, e em Nova Lima, na Grande BH.
Outro ponto que incomodou a Polícia Civil durante a operação foi o fato de um refrigerador usado pela Backer no processo de produção estar localizado em um local em obras. Contudo, não há ligação efetiva do fato com a contaminação por dietilenoglicol. Ainda na vistoria da força-tarefa realizada hoje, conforme fontes ouvidas pela reportagem, a corporação recolheu amostras de outros rótulos da Backer. A perícia pretende, com isso, verificar se outras cervejas da marca estão próprias para consumo.
O avanço na investigação do caso ocorreu horas depois de o Instituto Médico-Legal finalizar a necrópsia do corpo de Paschoal Demartini Filho, de 55 anos, que morreu na noite de terça-feira depois de ter sido internado com os sintomas da “doença misteriosa”. Os trabalhos do IML foram finalizados na madrugada por volta das 3h, com auxílio de um especialista da Universidade de São Paulo (USP). Por parte da Secretaria de Estado de Saúde (SES), o balanço continua o mesmo: nove notificações, com uma descartada (um idoso de 76), e oitos casos em apuração por meio do Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS Minas), incluindo um óbito.
Cerveja Belohorinzontina está sendo retirada do mercado / Foto: Divulgação |
A cerveja Belohorizontina foi alvo de suspeita de moradores do Buritis desde que as primeiras informações começaram a circular, no fim de semana. Depois da entrevista da Polícia Civil, a fabricante disse que o éter de glicol “não faz parte do processo de produção” do rótulo.
Drama das famílias
Morador do Bairro Sion, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, Célio Barros convive com a angústia e a incerteza desde o início de dezembro. O irmão dele tem 56 anos, é morador do Buritis e está internado no Hospital Mater Dei, no Bairro Santo Agostinho, também no Centro-Sul da cidade, desde 6 de dezembro, ou seja, antes da última quinzena de 2019, quando seis dos oito casos em investigação foram registrados. Dois, entre os quais provavelmente está o parente de Barros, foram notificados na quarta-feira e a Secretaria de Estado de Saúde informou que ainda não havia mapeado a data do adoecimento.
“Meu irmão sentiu um desconforto muito grande no dia 5 e foi ao médico. Quando chegou ao hospital, a pressão dele estava em 22. Deram um remédio e ele voltou para casa. No dia 6, ele acordou e não conseguiu trabalhar. Isso foi às 8h e ele decidiu voltar ao hospital. Às 11h, já estava internado”, relata Célio. No retorno à unidade médica, o bancário de 56 anos passou por exames de sangue. Os profissionais de saúde detectaram diversas alterações ligadas ao funcionamento dos rins. “Ele não urinava desde o dia anterior. Isso tudo aconteceu seis meses depois que ele fez um check-up que mostrou que sua saúde estava boa”, conta o irmão.
De acordo com os relatos de Barros, a vítima, em poucos dias, sofreu com borramento visual, paralisação facial e perdeu os movimentos, sintomas da doença misteriosa. O bancário ficou entubado por cerca de 15 dias e só saiu desse estado neste mês. “Ele gosta muito de cerveja e come muita carne também. Aquele churrasquinho. A família inteira bebe e confraterniza. Todos beberam e comeram as mesmas coisas que ele. É muito estranho”, conta o irmão do doente.
Célio lamenta os dias difíceis enfrentados pela família Barros. “Quando você vai pro hospital com apendicite, se preocupa, mas já sabe que tem tudo para o tratamento dar certo. Mas um negócio desse preocupa demais. Por isso, os médicos serem transparentes ajuda muito. O que você quer ver é a pessoa que está cuidando do seu ente querido como parceiro. Isso ajudou muito meu irmão”, ressalta.
Leia a nota da cervejaria Backer
"Após entrevista coletiva nesta tarde, a Polícia Civil divulgou laudo informando que a substância dietilenoglicol foi identificada em duas amostras recolhidas da cerveja Belorizontina na casa de clientes, que vieram a desenvolver os sintomas. Vale ressaltar que essa substância não faz parte do processo de produção da cerveja Belorizontina, fabricada pela Cervejaria Backer.
Por precaução, os lotes em questão - L1 1348 e L2 1348 - citados pela Polícia Civil, e recolhidos na residência dos consumidores citados, serão retirados imediatamente de circulação, caso ainda haja algum remanescente no mercado. A Cervejaria Backer continua à disposição das autoridades para contribuir com a investigação e tem total interesse que as causas sejam apuradas, até a conclusão dos laudos e investigação."
Fonte: Estado de Minas
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